No início de 2017, a American Thyroid Association publicou nova diretriz para diagnóstico e manejo das doenças tireoidianas durante a gestação (1). Entre outros tópicos, a seção IV deste documento aborda aspectos nutricionais relacionados a suficiência de iodo. A recomendação número 6, sugere a suplementação universal com 150 mcg de iodeto de potássio por dia a toda gestante, devendo idealmente ser iniciada 3 meses antes da concepção. Mas seria esta recomendação apropriada para a população brasileira?
Imagem: Wikimedia Commons |
Apesar da suficiência de iodo poder variar geograficamente dentro de um mesmo território, no Brasil, ainda segundo a IGN, o sal iodado está presente em mais de 95 por cento dos lares. Isto é, apesar da grande extensão territorial e das diferenças culturais, o acesso ao iodo está garantido em quase totalidade dos lares brasileiros.
Estudos brasileiros que avaliaram a suficiência de iodo em gestantes são escassos e apresentam resultados divergentes (3-6). Enquanto alguns, como os realizados nas cidades de Porto Alegre (6), Ribeirão Preto (3) e São Paulo (5), encontraram deficiência leve, na cidade do Rio de Janeiro (4), a excreção urinária de iodo foi considerada adequada. Estas amostras extremamente limitadas não são capazes de representar a realidade nacional a ponto de ajudarem a traçar medidas de saúde pública.
Além disso, praticamente toda a evidência que associa deficiência leve a moderada de iodo durante a gestação a deficiências neurológicas leve da prole, como redução de QI, vem de estudos observacionais (7). Até o momento, nenhum ensaio clínico demonstrou que a suplementação de iodo durante a gestação seja capaz de melhorar qualquer desfecho materno fetal robusto. Apenas desfechos substitutos como volume tireoidiano ou dosagem de tireoglobulina foram avaliados (8). Logo, podemos concluir que a suplementação de iodo feita de rotina para toda gestante brasileira trata-se de uma intervenção que carece de respaldo epidemiológico e clínico.
Talvez, algumas gestantes advindas de áreas historicamente deficientes de iodo e sem acesso ao sal iodado, bem como algumas outras mulheres com padrões alimentares restritivos em sal, grãos e lácteos, possam se beneficiar de suplementação de iodo, por apresentarem um risco maior de deficiência grave, situação na qual, há evidência de que a suplementação seja efetiva na prevenção de desfechos graves como o cretinismo (9).
Referências:
1- Alexander EK, Pearce EN, Brent GA, Brown RS, Chen H, Dosiou C, Grobman W, Laurberg P, Lazarus JH, Mandel SJ, Peeters R, Sullivan S. 2016 Guidelines of the American Thyroid Association for the Diagnosis and Management of Thyroid Disease during Pregnancy and the Postpartum. Thyroid. 2017 Jan 6. doi: 10.1089/thy.2016.0457.
2- http://www.ign.org/ acessado em 15 de janeiro de 2017.
3- Ferreira SM, Navarro AM, Magalhães PK, Maciel LM. Iodine Insuficiency in pregnant women in São Paulo. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2014 Apr;58(3):282-7.
4- Saraiva DA, Morais N, Martins Corcino C, Martins Benvenuto Louro Berbara T, Schtscherbyna A, Santos M, Botelho H, Vaisman M, de Fátima Dos Santos Teixeira P. Iodine status of pregnant women from a coastal Brazilian state after the reduction in recommended iodine concentration in table salt according to governmental requirements. Nutrition. 2018;53:109-14.
5- Mioto VCB, Monteiro A, de Camargo RYA, Borel AR, Catarino RM, Kobayashi S, Chammas MC, Marui S. High prevalence of iodine deficiency in pregnant women living in adequate iodine area. Endocr Connect. 2018;7(5):762-7.
6- Soares R, Vanacor R, Manica D, Dorneles LB, Resende VL, Bertoluci MC, Furlanetto TW. Thyroid volume is associated with family history of thyroid disease in pregnant women with adequate iodine intake: a cross-sectional study in southern Brazil. J Endocrinol Invest. 2008;31(7):614
7- Bath SC, Steer CD, Golding J, Emmett P, Rayman MP. Effect of inadequate iodine status in UK pregnant women on cognitive outcomes in their children: results from the Avon Longitudinal Study of Parents and Children (ALSPAC). Lancet. 2013;382(9889):331.
8- Glinoer D, De Nayer P, Delange F, Lemone M, Toppet V, Spehl M, Grün JP, Kinthaert J, Lejeune B. A randomized trial for the treatment of mild iodine deficiency during pregnancy: maternal and neonatal effects. J Clin Endocrinol Metab. 1995;80(1):258.
9- Boyages SC, Halpern JP, Maberly GF, Eastman CJ, Morris J, Collins J, Jupp JJ, Jin CE, Wang ZH, You CY. A comparative study of neurological and myxedematous endemic cretinism in western China. J Clin Endocrinol Metab. 1988;67(6):1262.
Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista do Hospital Universitário de Santa Maria
Doutor em Ciências Médicas - Endocrinologia - UFRGS
CRM-RS 30.576 - RQE 22.991
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Dr. Rafael Selbach Scheffel
Médico Endocrinologista da Unidade de Tireoide do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Doutor em Ciências Médicas - Endocrinologia - UFRGS
CRM-RS 30.011 - RQE 19.512
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Dr. Rafael Selbach Scheffel
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Texto revisado pelo Departamento de Tireoide da SBEM em 29 de maio de 2019.
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