Nada de novo
Alguns conceitos básicos de como funciona o sistema capitalista podem nos ajudar a entender melhor a “questão dos hormônios bioidênticos”. Imagine que você queira entrar no extremamente concorrido mercado farmacêutico. Seu capital inicial é pequeno tanto para produção quanto para desenvolvimento de novas moléculas. Com pouco dinheiro, é mais sensato investir em substâncias consagradas e que não sejam protegidas por patentes. Espertamente você escolhe alguns hormônios esteroides, o estradiol e a testosterona. Porém, substâncias pouco inovadoras costumam ser amplamente comercializadas por mais de uma empresa. Quando a oferta de um produto é ampla, seu preço despenca. Mas você não está disposto a ganhar pouco. Como diferenciar seus produtos dos demais? Marketing! E pior, marketing não ético! Estratégia infelizmente muito comum em diversos ramos no mercado…
Imagem: Flickr |
Jogada de marketing
O termo “hormônio bioidêntico” é uma jogada de markentig! Essa expressão foi cunhada para soar de forma mais suave que “quimicamente biossimilar” ou “quimicamente idêntico” ao hormônio encontrado na natureza ou que circula no nosso organismo. A geração das pessoas nascidas nas décadas de 1960 e 1970, também conhecidas como “geração granola”, tende a interpretar que coisas ditas “naturais” são boas e coisas ditas “sintéticas” são más. Muitas mulheres dessa geração estão agora enfrentando algum sintoma do período perimenopausa. Conhecendo o potencial mercado consumidor, fica fácil de entender a sacada do “hormônio bioidêntico que é mais natural, igualzinho ao que circula no meu organismo”, não é? Outro ponto propagado é que seria um hormônio “customizado” de acordo com a necessidade de cada paciente. Mas não se engane! Os hormônios ditos “bioidênticos”, representados principalmente por esteroides (estradiol, testosterona, DHEA, progesterona e mesmo a vitamina D), são produzidos pela mesma indústria farmacêutica que fabrica os hormônios convencionais. Aliás, no mundo todo, devem existir apenas 6 ou 7 empresas capazes de produzir estes tipos de substâncias em grande quantidade dentro de um padrão de qualidade minimamente aceitável.
Dúvidas quanto ao perfil de segurança
Mas se a grande maioria dos hormônios convencionais também são iguais ao que nosso corpo produz por que os endocrinologistas se preocupam tanto com os “hormônios bioidênticos”? Por um motivo muito importante: segurança.
O problema é que os ditos “hormônios bioidênticos” costumam ser manipulados ou colocados em implantes. A manipulação de uma substância por si só não é o ponto crucial. O problema é a prescrição de doses e combinações não avaliadas em estudos clínicos, isto é, com perfil de segurança desconhecido, ou pior, já avaliadas nos mesmos estudos e com perfil de segurança deletério. Quando compramos qualquer medicamento em uma farmácia, ao abrirmos a caixinha, encontramos uma bula. A bula é um documento importante. Nela estão contidas as indicações, doses, interações e perfil de efeitos adversos daquela substância. Para possuir uma bula, o medicamento precisa ter passado por estudos clínicos e estar devidamente registrado nas agências regulatórias, no caso do Brasil, a ANVISA.
Modismo potencialmente prejudicial
A “moda dos bioidênticos” não é coisa nova. Outros países, especialmente os Estados Unidos através do FDA, sua agência regulatória, têm se mostrado preocupados com os possíveis riscos associados ao seu uso. A forma mais apropriada de garantir um tratamento seguro, barato e “natural” ainda é procurando profissionais sérios e com amplo conhecimento.
As modas passam, mas complicações de tratamentos indevidos podem ficar pra sempre…
Fonte:
1- Bioidentical Hormone Therapy: Whats Is It, Might It Have Advantages? – Medscape.
2- Santoro N, Braunstein GD, Butts CL, et al. Compounded Bioidentical Hormones in Endocrinology Practice: An Endocrine Society Scientific Statement. J Clin Endocrinol Metab 2016; 101:1318-1343. Reissued October 2, 2019.
Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CRM-RS 30.576 - RQE 22.991
Texto revisado pelo Departamento de Endocrinologia Feminina e Andrologia.
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