A deidroepiandrosterona (DHEA) e sua forma sulfatada, o sulfato de deidroepiandrosterona (SDHEA), são produzidos predominantemente pelas glândulas adrenais, que estão localizadas acima de cada um dos rins. A DHEA é frequentemente citada como um androgênio fraco, isto é, um hormônio com propriedades masculinizantes. Entretanto, não há evidência de que ela se ligue ao receptor androgênico e, assim, DHEA têm pouca ou nenhuma atividade androgênica intrínseca. Ela é convertida em hormônios ativos para exercer suas funções biológicas.
A produção da DHEA atinge seu pico por volta dos 25 anos. Ela diminui à medida que envelhecemos. Por volta dos 80 anos, a concentração de DHEA é cerca de 80% menor.
Pequenas quantidades da DHEA são convertidas em androgênios mais ativos (androstenediona, androstenediol, testosterona e 5-dihidrotestosterona) ou mesmo em estrogênios (estradiol e estrona) nas glândulas adrenais, nos folículos pilosos (locais onde crescem os pelos), próstata, gônadas e no tecido adiposo (gordura). Nas mulheres, DHEA e SDHEA são fontes importantes de efeito androgênico, o que não acontece nos homens.
O interesse em suplementar DHEA é crescente. Na mídia leiga, vários efeitos benéficos têm sido defendidos, como ação vasodilatadora, antidepressiva, anti-inflamatória, antiaterosclerótica e mesmo antienvelhecimento. Logo, DHEA é uma panaceia, cujos efeitos aventados são oriundos, em sua maioria, de estudos experimentais, sobretudo em roedores. Entretanto, roedores são modelos experimentais inadequados para o estudo da DHEA. Diferentemente dos seres humanos, esses animais apresentam baixas concentrações endógenas de DHEA, cuja origem é predominante gonadal. Além disso, as doses testadas nesses estudos são, via de regra, suprafarmacológicas, inviabilizando a possibilidade de qualquer extrapolação de resultados. Mas será a DHEA a tão procurada "fonte da juventude"?
A primeira associação entre DHEA e aumento de longevidade ocorreu em um estudo realizado em macacos Rhesus machos. Esses animais foram submetidos à restrição calórica, uma intervenção sabidamente capaz de aumentar a sua sobrevida, e foram pesquisados possíveis biomarcadores de longevidade. Dentre esses biomarcadores, o SDHEA foi associado a um aumento na sobrevida dos macacos e esses resultados foram verificados também em seres humanos. Esse paralelismo entre um biomarcador de longevidade em macacos e em seres humanos levantou a hipótese de que a DHEA ou o SDHEA pudessem ter alguma ação relacionada ao aumento da expectativa de vida, hipótese que nunca foi comprovada.
Em mulheres com insuficiência adrenal, doença caracterizada pela redução na produção de corticoides, o uso da DHEA pode ser útil em situações limitadas. Doses entre 25 e 50 mg por dia podem melhorar o bem-estar e sintomas psicológicos. É possível que haja também melhora na função sexual, massa óssea e massa magra. Vale lembrar que esses efeitos benéficos foram observados em mulheres com doença adrenal grave, mas não na redução hormonal relacionada à idade.
Quando utilizada como estratégia "antiaging", a DHEA não mostra resultados tão animadores. Ensaios clínicos randomizados têm resultados conflitantes com relação ao bem-estar. Com relação ao aumento de massa magra, os estudos são categóricos em afirmar que o uso da DHEA para aumento da massa magra não funciona. Apesar de estudos em animais evidenciarem redução de gordura abdominal, a maioria dos estudos com seres humanos não evidenciou esse efeito. Outras propriedades não observadas foram prevenção da perda de memória e prevenção de doenças cardiovasculares. Por fim, o uso de DHEA pode aumentar, de maneira muito discreta, a densidade mineral óssea, principalmente no fêmur. Contudo, é provável que esta ligeira melhora no tecido ósseo não seja suficiente para determinar prevenção de fraturas.
O uso da DHEA não é isento de efeitos adversos. Aumento da oleosidade da pele, crescimento excessivo de pelos, redução do colesterol HDL ("colesterol bom"), palpitações e surtos maníacos podem acontecer, já que estamos falando de um precursor de androgênios potentes. Outro problema é com relação à sua pureza. Como a DHEA é importada e, nos Estados Unidos, é considerada um suplemento alimentar, muitas vezes as apresentações comerciais têm origem duvidosa e concentrações diferentes das informadas no rótulo. Para exemplificar, um estudo americano evidenciou variações de 0-150% nas quantidades de DHEA em relação ao rótulo dos produtos.
Em resumo, com base nas evidências, há um potencial limitado para o uso da DHEA. Ele restringe-se a mulheres com insuficiência adrenal primária e sintomas depressivos e/ou baixos níveis de energia apesar das reposições otimizadas de glicocorticoides e mineralocorticoides. Associados à eficácia limitada, os raros, porém potencialmente graves efeitos adversos e o controle insatisfatório de qualidade dos suplementos restringem ainda mais o uso da DHEA na prática clínica. Além disso, os estudos que avaliaram esse tipo reposição envolveram poucos participantes e não duraram mais do que 2 anos. Isto compromete muito a capacidade de generalização dos resultados, principalmente em relação à segurança do tratamento.
Ainda não foi desta vez que a ”modulação hormonal” mostrou-se capaz de combater o processo de envelhecimento...
Fontes:
1- UpToDate On Line - DHEA and its sulfate.
2- Dhatariya KK, Nair KS. Dehydroepiandrosterone: is there a role for replacement? Mayo Clin Proc. 2003 Oct;78(10):1257-73.
3- Roth GS, Lane MA, Ingram DK, Mattison JA, Elahi D, Tobin JD et al. Biomarkers of caloric restriction may predict longevity in humans. Science. 2002 Aug 2;297(5582):811.
4- Alkatib AA, Cosma M, Elamin MB, Erickson D, Swiglo BA, Erwin PJ et al. A systematic review and meta-analysis of randomized placebo-controlled trials of DHEA treatment effects on quality of life in women with adrenal insufficiency. J Clin Endocrinol Metab. 2009 Oct;94(10):3676-81.
5- Bornstein SR, Allolio B, Arlt W, Barthel A, Don-Wauchope A, Hammer GD et al. Diagnosis and treatment of primary adrenal insufficiency: an Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2016 Feb;101(2):364-89.
6- Parasrampuria J, Schwartz K, Petesch R. Quality control of dehydroepiandrosterone dietary supplement products. JAMA. 1998 Nov 11;280(18):1565.
A produção da DHEA atinge seu pico por volta dos 25 anos. Ela diminui à medida que envelhecemos. Por volta dos 80 anos, a concentração de DHEA é cerca de 80% menor.
Imagem: Wikimedia Commons |
Pequenas quantidades da DHEA são convertidas em androgênios mais ativos (androstenediona, androstenediol, testosterona e 5-dihidrotestosterona) ou mesmo em estrogênios (estradiol e estrona) nas glândulas adrenais, nos folículos pilosos (locais onde crescem os pelos), próstata, gônadas e no tecido adiposo (gordura). Nas mulheres, DHEA e SDHEA são fontes importantes de efeito androgênico, o que não acontece nos homens.
O interesse em suplementar DHEA é crescente. Na mídia leiga, vários efeitos benéficos têm sido defendidos, como ação vasodilatadora, antidepressiva, anti-inflamatória, antiaterosclerótica e mesmo antienvelhecimento. Logo, DHEA é uma panaceia, cujos efeitos aventados são oriundos, em sua maioria, de estudos experimentais, sobretudo em roedores. Entretanto, roedores são modelos experimentais inadequados para o estudo da DHEA. Diferentemente dos seres humanos, esses animais apresentam baixas concentrações endógenas de DHEA, cuja origem é predominante gonadal. Além disso, as doses testadas nesses estudos são, via de regra, suprafarmacológicas, inviabilizando a possibilidade de qualquer extrapolação de resultados. Mas será a DHEA a tão procurada "fonte da juventude"?
A primeira associação entre DHEA e aumento de longevidade ocorreu em um estudo realizado em macacos Rhesus machos. Esses animais foram submetidos à restrição calórica, uma intervenção sabidamente capaz de aumentar a sua sobrevida, e foram pesquisados possíveis biomarcadores de longevidade. Dentre esses biomarcadores, o SDHEA foi associado a um aumento na sobrevida dos macacos e esses resultados foram verificados também em seres humanos. Esse paralelismo entre um biomarcador de longevidade em macacos e em seres humanos levantou a hipótese de que a DHEA ou o SDHEA pudessem ter alguma ação relacionada ao aumento da expectativa de vida, hipótese que nunca foi comprovada.
Em mulheres com insuficiência adrenal, doença caracterizada pela redução na produção de corticoides, o uso da DHEA pode ser útil em situações limitadas. Doses entre 25 e 50 mg por dia podem melhorar o bem-estar e sintomas psicológicos. É possível que haja também melhora na função sexual, massa óssea e massa magra. Vale lembrar que esses efeitos benéficos foram observados em mulheres com doença adrenal grave, mas não na redução hormonal relacionada à idade.
Quando utilizada como estratégia "antiaging", a DHEA não mostra resultados tão animadores. Ensaios clínicos randomizados têm resultados conflitantes com relação ao bem-estar. Com relação ao aumento de massa magra, os estudos são categóricos em afirmar que o uso da DHEA para aumento da massa magra não funciona. Apesar de estudos em animais evidenciarem redução de gordura abdominal, a maioria dos estudos com seres humanos não evidenciou esse efeito. Outras propriedades não observadas foram prevenção da perda de memória e prevenção de doenças cardiovasculares. Por fim, o uso de DHEA pode aumentar, de maneira muito discreta, a densidade mineral óssea, principalmente no fêmur. Contudo, é provável que esta ligeira melhora no tecido ósseo não seja suficiente para determinar prevenção de fraturas.
O uso da DHEA não é isento de efeitos adversos. Aumento da oleosidade da pele, crescimento excessivo de pelos, redução do colesterol HDL ("colesterol bom"), palpitações e surtos maníacos podem acontecer, já que estamos falando de um precursor de androgênios potentes. Outro problema é com relação à sua pureza. Como a DHEA é importada e, nos Estados Unidos, é considerada um suplemento alimentar, muitas vezes as apresentações comerciais têm origem duvidosa e concentrações diferentes das informadas no rótulo. Para exemplificar, um estudo americano evidenciou variações de 0-150% nas quantidades de DHEA em relação ao rótulo dos produtos.
Em resumo, com base nas evidências, há um potencial limitado para o uso da DHEA. Ele restringe-se a mulheres com insuficiência adrenal primária e sintomas depressivos e/ou baixos níveis de energia apesar das reposições otimizadas de glicocorticoides e mineralocorticoides. Associados à eficácia limitada, os raros, porém potencialmente graves efeitos adversos e o controle insatisfatório de qualidade dos suplementos restringem ainda mais o uso da DHEA na prática clínica. Além disso, os estudos que avaliaram esse tipo reposição envolveram poucos participantes e não duraram mais do que 2 anos. Isto compromete muito a capacidade de generalização dos resultados, principalmente em relação à segurança do tratamento.
Ainda não foi desta vez que a ”modulação hormonal” mostrou-se capaz de combater o processo de envelhecimento...
Fontes:
1- UpToDate On Line - DHEA and its sulfate.
2- Dhatariya KK, Nair KS. Dehydroepiandrosterone: is there a role for replacement? Mayo Clin Proc. 2003 Oct;78(10):1257-73.
3- Roth GS, Lane MA, Ingram DK, Mattison JA, Elahi D, Tobin JD et al. Biomarkers of caloric restriction may predict longevity in humans. Science. 2002 Aug 2;297(5582):811.
4- Alkatib AA, Cosma M, Elamin MB, Erickson D, Swiglo BA, Erwin PJ et al. A systematic review and meta-analysis of randomized placebo-controlled trials of DHEA treatment effects on quality of life in women with adrenal insufficiency. J Clin Endocrinol Metab. 2009 Oct;94(10):3676-81.
5- Bornstein SR, Allolio B, Arlt W, Barthel A, Don-Wauchope A, Hammer GD et al. Diagnosis and treatment of primary adrenal insufficiency: an Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2016 Feb;101(2):364-89.
6- Parasrampuria J, Schwartz K, Petesch R. Quality control of dehydroepiandrosterone dietary supplement products. JAMA. 1998 Nov 11;280(18):1565.
Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CRM-RS 30.576 - RQE 22.991
Dr. Wellington Santana da Silva Júnior
Médico Endocrinologista, Doutor em Ciências
Professor Adjunto do Curso de Medicina da UFMA
Presidente da CVNL da SBEM - Biênio 2019/2020
Presidente da CVNL da SBEM - Biênio 2019/2020
CRM-MA 5188 - RQE 2739
Texto revisado pelo Departamento de Adrenal e Hipertensão.
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