Epidemia de excesso de peso e a busca por opções terapêuticas
Que vivemos em uma epidemia de excesso de peso e obesidade, não há dúvidas. A crescente consciência de que os quilos a mais não trazem somente prejuízo estético, mas também problemas de saúde como diabetes mellitus tipo 2, pressão alta, colesterol alto, risco aumentado de morte por doenças cardiovasculares e câncer, tem feito com que se procure alternativas para o tratamento. Um método que volta e meia reaparece como possível solução é o uso da gonadotrofina coriônica humana ou hCG. Mas será um tratamento válido? Vejamos o que nos dizem as evidências científicas...
Imagem: Wikimedia Commons |
O hCG já foi estudado, mostrou ausência de benefício...
Ao contrário do que se imagina, a controvérsia sobre o uso do hCG para o emagrecimento já tem mais de 60 anos. Em 1954, o Dr. Simeons publicou na revista Lancet o artigo intitulado “The action of chorionic gonadotrophin in the obese”. Neste estudo, o hCG era usado em conjunto com uma dieta altamente restritiva, de apenas 500 calorias por dia, com o objetivo de se fazer perder peso sem fome e mantendo a massa muscular. Contudo, estudos melhor desenhados realizados a partir da década de 1970 não mostraram esse efeito benéfico do hCG. No ano de 1995, o Dr. Lijensen publicou na revista British Journal of Clinical Pharmacology uma extensa revisão de todos os estudos científicos realizados com hCG para o emagrecimento até o momento. O artigo “The effect of human chorionic gonadotropin (HCG) in the treatment of obesity by means of the Simeons therapy: a criteria-based meta-analysis” avaliou 16 estudos e concluiu que não existe qualquer evidência de que o hCG seja efetivo no tratamento da obesidade. Além de não auxiliar na perda do peso, o hCG não é melhor que o placebo em manter a massa magra, reduzir a fome ou manter o bem-estar. Em outras palavras, este estudo diz que usar hCG ou injeções de água dá na mesma, ou seja, é um tratamento sem efeito.
...além de potenciais efeitos adversos graves
Como se isso já não bastasse, começaram a aparecer relatos na literatura associando o uso do hCG para emagrecimento com efeitos adversos graves como trombose: artigo publicado em 2013 pelo Dr. Goodbar na revista Annals of Pharmacotherapy: "Effect of the human chorionic gonadotropin diet on patient outcomes".
Não é ético prescrever tratamentos que não funcionam visando o lucro
Mas se o hCG não funciona e pode fazer tão mal, por que alguns médicos defendem seu uso e o prescrevem? Chegamos aqui a um ponto extremamente delicado...
Segundo os artigos 14, 112, 113 e 114 do Código de Ética Médica é vetado ao médico: praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação vigente no País; divulgar informação sobre assunto médico de forma sensacionalista, promocional ou de conteúdo inverídico; divulgar, fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente; anunciar títulos científicos que não possa comprovar e especialidade ou área de atuação para a qual não esteja qualificado e registrado no Conselho Regional de Medicina. Um profissional que esteja disposto a ser tão anti-ético só pode ter um conflito de interesse muito grande com a prescrição do hCG, isto é, está ganhando muito dinheiro com isso.
O tratamento da obesidade exige trabalho sério e ético
Não existe milagre no tratamento do excesso de peso e da obesidade. Existe trabalho sério! Medidas como modificação da dieta baseada em protocolos calóricos e nutricionais seguros; programas de exercício adaptados as capacidades e limitações de cada paciente; e aconselhamento comportamental, incluindo desenvolvimento de hábitos alimentares adequados, como lidar com o estresse e ansiedade, e como adaptar a dieta e o estilo de vida dentro do contexto familiar; geralmente demandam trabalho de equipe multidisciplinar responsável e competente.
Fique de olho! Não caia no papo de aproveitadores
Modismos e aproveitadores existem e sempre existirão. Quando você for ler qualquer texto na internet ou em revistas, ou mesmo quando for assistir alguma entrevista na TV, sempre procure conhecer as fontes. Certifique-se de que sejam pessoas sensatas e atualizadas, se são ligadas a centros acadêmicos ou a produção científica. Vá atrás das referências citadas e consulte as sociedades médicas e agências de vigilância sanitária. Cuide-se!
Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CRM-RS 30.576 - RQE 22.991
Texto revisado pelo Departamento de Obesidade da SBEM.
Texto bastante esclarecedor. Parabéns aos autores.
ResponderExcluirEsclarecedor. Porque não fazem fiscalização, aqui em Mogi das Cruzes, a Dr Kelly Lemos tem sua clínica que fatura horrores com a dieta do HCG. o valor, na ultima vez que passou chegava à 500 reais. Por favor, tem muita gente precisando de ajuda e acreditamos nos médicos.
ResponderExcluir