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segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Óleo de coco baseado em evidências

Que cuidados tomar ao ler textos científicos?

A internet é uma grande fonte de informação, e isso é inegável. No entanto, nem tudo que lemos em sites, blogs ou redes sociais passa por crivo científico criterioso. A literatura médica é vasta. E os diferentes estudos são hierarquizados de acordo com sua qualidade metodológica e com a força das evidências. Por exemplo, um estudo pequeno que disse que determinado tratamento em ratinhos pode baixar o colesterol não deve ser interpretado da mesma maneira que outro estudo que avaliou a mesma intervenção em um grande número de seres humanos e observou que este tratamento não serviu para reduzir infartos ou mortes. Em outras palavras, estudos que replicam as situações da vida real de maneira mais apropriada “pesam mais” na balança da ciência. Dito isto, vamos ao óleo de coco...

Imagem: Wikimedia Commons

Existe grande quantidade de material com pouco embasamento disponível na internet

Basta digitarmos “óleo de coco” no Google para nos maravilharmos com efeitos positivos no colesterol e no risco cardiovascular, além de potencial antioxidante e até mesmo emagrecedor. Contudo, ao fazermos a mesma pesquisa na base de dados médicos Pubmed, podemos perceber que o óleo de coco ainda precisa provar muita coisa...


O processo de produção do óleo de coco tem impacto nas suas propriedades

O óleo de coco virgem, que é obtido através da prensagem a frio do coco, retém grande quantidade de fitoesteróis, tocotrienóis, tocoferóis, além de outros compostos bioativos, substâncias que realmente têm potencial de redução do colesterol e efeito antioxidante. Contudo, aqui cabem duas ressalvas. O processo de fabricação do óleo de coco é bastante variável na indústria. Quando o processo de extração do óleo não controla a temperatura de forma apropriada, perde-se grande parte dos antioxidantes. Além disso, o potencial efeito benéfico dos fitoesteróis contidos em sua composição é contrabalanceado pelo alto teor de gordura saturada (92%).


Faltam evidências robustas de qualquer benefício com o óleo de coco

Os defensores do óleo de coco argumentam que a gordura saturada nele presente é diferenciada. Os ácidos láurico e mirístico, por representarem ácidos graxos de cadeia média, seriam rapidamente metabolizados no fígado favorecendo a elevação do colesterol HDL (bom), menor oxidação do colesterol LDL (ruim) e queima de gordura, com potencial redução do risco cardiovascular e do peso. No entanto, os estudos que evidenciaram estes possíveis benefícios foram  realizados em ratos (1) ou apresentam apresentam sérias limitações metodológicas (2). Como vimos no início deste texto, a Medicina Baseada em Evidências hierarquiza a pesquisa clínica. Até o presente momento, o óleo de coco permanece no nível mais baixo de evidência, precisando, no mínimo, ser melhor estudado.


Os efeitos do consumo de óleo de coco ainda não foram estudados dentro do padrão alimentar Ocidental 

Em março de 2016, um grupo de pesquisadores da Nova Zelândia compilou toda a literatura disponível sobre os potenciais benefícios do óleo de coco e publicou na revista Nutrition Reviews o artigo intitulado “Coconut oil consumption and cardiovascular risk factors in humans” (3). Foram localizados 21 estudos (8 controlados e 13 observacionais). Segundo os autores, o óleo de coco aumentou os níveis de colesterol total e colesterol LDL (ruim). Apesar de aumentar os níveis de colesterol, o óleo de coco aparentemente não aumentou o risco de doenças cardiovasculares, pelo menos em populações que culturalmente o consomem. Ou seja, o óleo de coco parece não aumentar o risco de problemas cardíacos dentro da dieta dos povos polinésios, mas não podemos dizer o mesmo dentro da dieta Ocidental.


Óleo de coco não é suplemento. Muito menos remédio!

Em resumo, não existem provas definitivas de que o óleo de coco ajude a melhorar a imunidade e o metabolismo ou ajude a reduzir o risco de doenças cardíacas. Não deve ser considerado um suplemento, muito menos um remédio. A preferência pelo seu uso restringe-se mais a uma opção culinária do que uma indicação médica, e deve ser feita com moderação. 


Fica a dica...

Aos interessados em aumentar o consumo de antioxidantes e fitoesteróis, a sugestão é consumir a polpa do coco - que também é rica em fibras – e, idealmente, inserida no contexto de uma alimentação equilibrada, com atividades físicas regulares e... sem esperar milagres!

Referências:
1 - Nevin KG, Rajamohan T. Beneficial effects of virgin coconut oil on lipid parameters and in vitro LDL oxidation. Clin Biochem. 2004 Sep;37(9):830-5.
2 - Cardoso DA, Moreira AS, de Oliveira GM, Raggio Luiz R, Rosa GA. COCONUT EXTRA VIRGIN OIL-RICH DIET INCREASES HDL CHOLESTEROL AND DECREASES WAIST CIRCUMFERENCE AND BODY MASS IN CORONARY ARTERY DISEASE PATIENTS. Nutr Hosp. 2015;32(5):2144.
3 - Eyres L, Eyres MF, Chisholm A, Brown RC. Coconut oil consumption and cardiovascular risk factors in humans. Nutr Rev. 2016 Apr;74(4):267-80.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CRM-RS 30.576 - RQE 22.991

Texto revisado pelo Departamento de Dislipidemia e Aterosclerose.

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