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segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Vitamina K, magnésio e saúde óssea

A vitamina K foi descoberta há quase 100 anos

A vitamina K foi descoberta em 1929 pelo bioquímico Henrik Dam durante experimentos em galinhas submetidas a dietas com pouca gordura. Os animais apresentavam sangramentos e problemas na coagulação, irreversíveis com a interrupção da dieta. Isso levou à descoberta de uma vitamina lipossolúvel (solúvel em gordura) chamada de “Koagulation vitamin”.
A vitamina K1 (filoquinona) é a principal vitamina K consumida na alimentação. Está presente em hortaliças e óleos vegetais, enquanto a vitamina K2 (menaquinona) é a principal vitamina K nos tecidos, incluindo o tecido ósseo. É encontrada em alimentos fermentados como grãos de soja e queijos, e pode ser sintetizada por bactérias presentes no intestino (Lactococcus e Escherischia colli). O alimento tipicamente rico em vitamina K2 é um prato tradicional do Japão chamado natto (imagem abaixo), feito com soja fermentada.

Natto
Imagem: Flickr

A vitamina K tem efeitos no metabolismo do cálcio

A vitamina K atua como cofator essencial na reação de carboxilação de resíduos específicos de ácido glutâmico, permitindo à ligação das proteínas de coagulação ao cálcio. Foram descobertos diversos grupos de proteínas dependentes de vitamina K, que não têm conexão com a coagulação sanguínea, mas estão implicados na homeostasia do cálcio. A osteocalcina é a principal proteína não colágena presente no osso, essencial para a mineralização do esqueleto, e sua forma biologicamente ativa é carboxilada em uma reação catalisada pela vitamina K. Da mesma forma, a proteína MGP (matrix gla protein) presente na parede dos vasos é dependente da carboxilação via vitamina K para exercer sua função como proteína inibidora da calcificação arterial. Assim, a presença de vitamina K na dieta parece ter um papel favorável na formação óssea bem como na redução da calcificação vascular. Mas será que suplementar vitamina K pode trazer benefícios?

A suplementação de vitamina K parece ser útil apenas em populações orientais

De acordo com a National Academy of Sciences, a recomendação diária de vitamina K a ser consumida é de 2 mcg/dia para recém-nascidos, 75 mcg/dia para adolescentes, 90 mcg/dia para mulheres e 120 mcg/dia para homens adultos. No Japão, a vitamina K sintética (menatetrenona) é comercialmente disponível como uma alternativa no tratamento de pacientes com osteoporose na dose mínima efetiva de 45 mg/dia, muito acima da dose diária recomendada. Os possíveis efeitos adversos são desconforto gastrointestinal e diarreia, e o tratamento é contra-indicado para pacientes em uso do anticoagulante varfarina. 
Estudos observacionais e ensaios clínicos, na grande maioria realizados em indivíduos asiáticos, têm demonstrado que o consumo de vitamina K1 e K2 e/ou seus níveis séricos estão associados à redução da osteocalcina descarboxilada, um efeito favorável para o tecido ósseo. Porém os resultados sobre a densidade mineral óssea (DMO) e fraturas são controversos. Em uma meta-análise de 16 ensaios clínicos randomizados, foi observado que a suplementação da vitamina K foi eficaz em melhorar a DMO da coluna lombar, sem diferença no fêmur total. Contudo, na análise de subgrupos, este achado foi confirmado apenas quando foram avaliados indivíduos asiáticos, mulheres e suplementação com K1. Em indivíduos ocidentais, que receberam suplementação com K2, sem osteoporose secundária e em mulheres na pós-menopausa não foi observado efeito favorável sobre a DMO. De forma similar, em uma meta-análise de ensaios clínicos avaliando o efeito da suplementação de vitamina K sobre a ocorrência de fraturas, foram incluídos 7 estudos e o resultado mostrou um efeito favorável à suplementação com redução do risco de fraturas. Contudo, todos os estudos eram com indivíduos japoneses, recebendo doses elevadas de vitamina K (menatetrenona), além da dieta japonesa usualmente rica em vitamina K.

O magnésio tem participação importante metabolismo energético

O magnésio é essencial para todas as células, incluindo as células do tecido ósseo. No meio intracelular, o magnésio é fundamental para síntese de ATP, a principal fonte de energia celular, além de servir como cofator para diversas enzimas envolvidas no metabolismo lipídico e proteico. Aproximadamente 60% do magnésio encontra-se armazenado no esqueleto, servindo como um reservatório para manutenção da concentração extracelular deste íon. 

Sementes e grãos são fontes de magnésio
Fonte: Pixabay
Pode ser consumido através de hortaliças, legumes, castanhas, sementes e grãos. Pela grande disponibilidade na dieta, a deficiência de magnésio costuma ocorrer apenas em condições que afetem significativamente a absorção intestinal ou a função renal. 

Os dados sobre o efeito do magnésio na saúde óssea são bastante controversos

Alguns estudos observacionais têm demonstrado associação entre ingestão alimentar de magnésio e melhor densidade óssea. Contudo, em uma revisão sistemática e meta-análise que incluiu 12 estudos e 17.089 casos de fraturas, não foi observada associação entre a quantidade ingerida de magnésio na dieta e risco de fraturas. Na verdade, em um dos estudos avaliados, a ingestão de magnésio acima da recomendação diária foi associada a maior risco de fraturas, um achado atribuído à fraqueza muscular e hipotensão que podem ocorrer na presença de hipermagnesemia. Mais recente, dados de uma corte americana com 3.765 participantes entre homens e mulheres acompanhados por 8 anos mostraram que a maior ingestão de magnésio alimentar reduziu o risco de fraturas osteoporóticas, especialmente em mulheres.

Ainda não existe evidência suficientemente robusta para justificar a prescrição de vitamina K ou magnésio para melhorar a saúde óssea

Em resumo, a maior parte dos estudos com vitamina K e magnésio são limitados e controversos. Especialmente com relação à vitamina K, os dados são escassos em indivíduos caucasianos, sendo a grande maioria dos estudos em populações asiáticas. Além disso, o tipo de vitamina K e a dose usada nos suplementos administrados são muito variáveis, o que dificulta a interpretação dos resultados. Considerando os dados disponíveis até o momento, faltam evidências para recomendar a utilização de vitamina K e/ou magnésio para prevenção e/ou tratamento de osteoporose. Mais estudos são necessários para avaliar o impacto desta suplementação sobre a massa óssea e o risco de fraturas em diferentes populações.

Referências:
1. Wasilewski GB, Vervloet MG, Schurgers LJ. The Bone-Vasculature Axis: Calcium Supplementation and the Role of Vitamin K. Front Cardiovasc Med. 2019;6:1-16.
2. Iwamoto J. Vitamin K2 Therapy for Postmenopausal Osteoporosis. Nutritients 2014; 6:1971-1980.
3. Fang Y, Hu C, Tao X, Wan Y, Tao F. Effect of vitamin K on bone mineral density: a meta-analysis of randomized controlled trials. J Bone Miner Metab 2012; 30:60–8.
4. Huang Z-B, Wan S-L, Lu Y-J, Ning L, Liu C, Fan S-W. Does vitamin K2 play a role in the prevention and treatment of osteoporosis for postmenopausal women: a meta-analysis of randomized controlled trials. Osteoporos Int 2015;26: 1175–86.
5. Cockayne S, Adamson J, Lanham-New S, Shearer MJ, Gilbody S, Torgerson DJ. Vitamin K and the prevention of fractures: systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Arch Intern Med 2006; 166:1256–61.
6. Palermo A, Tuccinardi D, D'Onofrio L, Watanabe M, Maggi D, Maurizi AR, Greto V, Buzzetti R, Napoli N, Pozzilli P, Manfrini S. Vitamin K and osteoporosis: Myth or reality? Metabolism. 2017;70:57-71. 
7. Castiglioni S, Cazzaniga A, Albisetti W, Maier JAM. Magnesium and Osteoporosis: Current State of Knowledge and Future Research Directions. Nutrients 2013; 5(8):3022-3033.
8. Farsinejad-Marj M, Saneei P, Esmaillzadeh A. Dietary magnesium intake, bone mineral density and risk of fracture: a systematic review and meta-analysis. Osteoporos Int. 2016;27(4):1389-99.
9. Veronese N, Stubbs B, Solmi M, Noale M, Vaona A, Demurtas J, Maggi S. Dietary magnesium intake and fracture risk: data from a large prospective study. Br J Nutr. 2017;117(11):1570-1576.

Dra. Tayane Muniz Fighera
Médica Endocrinologista com área de atuação em Densitometria Óssea
CRM-RS 32.014 - RQE 27.144 e 28.021

Texto revisado pelo Departamento de Metabolismo Ósseo e Mineral em agosto de 2019.


terça-feira, 20 de agosto de 2019

Lançamento do livro TEEM Volume I – Preparação para Título de Especialista em Endocrinologia e Metabologia

Obter uma especialidade é o sonho de muitos médicos que buscam aprofundar os conhecimentos em uma área do vasto universo da Medicina. Alcançar esse sonho não é uma tarefa fácil. Tampouco é fácil à população distinguir os especialistas dos "pseudoespecialistas", profissionais que buscam atalhos na formação médica, anunciam "especialidades" não reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina e exercem práticas desprovidas de ética e embasamento científico. Por isso, os Títulos de Especialista conferidos pelas Sociedades Médicas, dentre os quais destacamos o Título de Especialista em Endocrinologia e Metabologia (TEEM) pela SBEM, têm um importante papel social. Representam não somente o reconhecimento da excelência do especialista pelos seus pares, mas também um auxílio à população na identificação dos profissionais nos quais pode confiar.


É por esse motivo que estamos orgulhosos em lhes apresentar o livro TEEM Volume I – Preparação para Título de Especialista em Endocrinologia e Metabologia. Esse primeiro volume compõe-se por 300 questões de múltipla escolha e 30 casos clínicos comentados das provas de 1ª e 2ª fases do TEEM nos anos de 2014, 2015 e 2016. A elaboração desse material coube à Comissão de Valorização de Novas Lideranças (CVNL), que reuniu uma equipe de 15 colaboradores, todos Endocrinologistas titulados pela SBEM, garantindo a qualidade do material produzido. O livro tem como principal objetivo ajudar na preparação de novos candidatos para a prova. Mais do que isso, serve para qualquer Endocrinologista que queira testar seus conhecimentos ou esteja se preparando para qualquer tipo de concurso.
Este não é, e não será, um trabalho isolado. A CVNL já está se organizando para a elaboração do Volume II, agora com as questões das provas de 2017, 2018 e 2019. Além disso, a SBEM também lançou neste ano de 2019 o Programa de Educação Médica Continuada EMBE, que significa Endocrinologia e Metabologia Baseada em Exercícios. Uma combinação de projetos que tem como objetivo ajudar na formação e atualização de Endocrinologistas e de candidatos a Endocrinologistas em todo o Brasil.
O lançamento do TEEM Volume I ocorrerá esta semana no Congresso Brasileiro de Atualização em Endocrinologia e Metabologia (CBAEM 2019), na cidade de Florianópolis - SC. Estamos certos de que o livro será um instrumento valioso de auxílio a todos que buscam o tão sonhado TEEM e nós estamos muito felizes em auxiliar os futuros especialistas nesse propósito!

Dr. Wellington Santana da Silva Júnior 
Presidente da CVNL da SBEM - Biênio 2019/2020
CRM-MA 5188 - RQE 2739

Dr. Rodrigo O. Moreira
Presidente da SBEM Biênio 2019/2020
CRM-RJ 690.112 - RQE 24.343

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Qual o risco de cortar derivados lácteos da dieta?

O cálcio é um nutriente essencial para o esqueleto em todas as fases da vida. Em adultos, a massa total de cálcio é de aproximadamente 1.000 g, das quais 99% estão localizados na porção mineral do osso sob a forma de cristais de hidroxiapatita. O restante localiza-se no sangue, no líquido extracelular e nos tecidos.  A concentração de cálcio no líquido extracelular é mantida dentro de um intervalo relativamente estreito devido à importância deste íon para várias funções celulares, incluindo a divisão celular, integridade da membrana plasmática, secreção de proteínas, contração muscular, excitabilidade neuronal, metabolismo do glicogênio e coagulação.
A taxa de absorção intestinal do cálcio varia conforme a faixa etária, sendo 60% no recém-nascido, 50% na gestação e 34% na puberdade. Em indivíduos adultos, se 1.000 mg de cálcio forem ingeridos da dieta, aproximadamente 200 mg serão absorvidos. Para suprir as necessidades diárias, é recomendado o consumo de 1.000 a 1.200 mg de cálcio elementar todos os dias. Considerando as fontes disponíveis de cálcio alimentar (tabela 1), é muito difícil atingir esta meta sem o consumo de leite e/ou derivados. É possível calcular a ingestão de cálcio individual acessando: https://www.iofbonehealth.org/calcium-calculator

Tabela 1 - clique para ampliar
Por iniciativa da International Osteoporosis Foundation (IOF), para avaliar o consumo alimentar de cálcio em diferentes lugares do mundo, foi realizado um estudo com dados de 74 países (figura 1). Neste estudo, a média de cada país de consumo de cálcio variou de 175 a 1.233 mg/dia, sendo os menores valores observados em países da América do Sul, Ásia e África. Apenas países do norte europeu apresentaram a média recomendada de consumo de cálcio alimentar (superior a 1.000 mg/dia).

Figura 1 - clique para ampliar
Tipicamente, como resultado do processo de remodelamento ósseo, cerca de 500 mg de cálcio são removidos do esqueleto adulto todos os dias e uma quantidade similar é incorporada ao tecido ósseo. As recomendações de consumo de cálcio foram estabelecidas visando suprir esta necessidade mínima, considerando a absorção limitada de cálcio no trato gastrointestinal. A ingestão insuficiente de cálcio resulta em menor absorção, menor concentração de cálcio ionizado na circulação e maior secreção de paratormônio, um potente agente que estimula a reabsorção óssea. Em outras palavras, a restrição crônica de cálcio alimentar leva à mobilização de cálcio do esqueleto. Essa elevada taxa de remodelação causa perda óssea e representa um fator de risco independente para fraturas. Por outro lado, o consumo adequado de cálcio na dieta, geralmente 1.000 mg/dia ou mais, reduz a taxa de remodelação óssea em até 20% em mulheres e homens mais velhos, influenciando positivamente a densidade mineral óssea. Este efeito positivo é ainda mais importante na adolescência, período em que aproximadamente 40% da massa óssea é adquirida.  
Dessa forma, o cálcio é fundamental para desenvolvimento e manutenção da rigidez e força do esqueleto. Quando a ingestão de cálcio se torna insuficiente para as inúmeras funções que este íon exerce no organismo, mecanismos compensatórios acabam por suprir estas necessidades, reabsorvendo excessivamente o cálcio do esqueleto e acarretando a redução da massa óssea e aumento do risco de fraturas. 

Referências:
1. Vautour L e Goltzman D. Regulation of Calcium Homeostasis. In Primer on the Metabolic Bone Diseases and Disorders of Mineral Metabolism 9º edition (ASBMR) 2019. https://www.iofbonehealth.org/osteoporosis-musculoskeletal-disorders/osteoporosis/prevention/calcium/calcium-content-common-foods
2. Ross AC, Manson JE, Abrams SA, Aloia JF, Brannon PM, Clinton SK, Durazo-Arvizu RA, Gallagher JC, Gallo RL, Jones G, Kovacs CS, Mayne ST, Rosen CJ, Shapses SA. The 2011 report on dietary reference intakes for calcium and vitamin D from the Institute of Medicine: what clinicians need to know. J Clin Endocrinol Metab. 2011; 96(1):53-8.
3. Balk EM, Adam GP, Langberg VN, Earley A, Clark P, Ebeling PR, Mithal A, Rizzoli R, Zerbini CAF, Pierroz DD, Dawson-Hughes B; International Osteoporosis Foundation Calcium Steering Committee. Global dietary calcium intake among adults: a systematic review. Osteoporos Int. 2017; 28(12): 3315–3324.
4. Chiodini I, Bolland MJ. Calcium supplementation in osteoporosis: useful or harmful? Eur J Endocrinol. 2018;178(4):D13-D25. 
5. Weaver CM, Gordon CM, Janz KF, Kalkwarf HJ, Lappe JM, Lewis R, O'Karma M, Wallace TC, Zemel BS. The National Osteoporosis Foundation's position statement on peak bone mass development and lifestyle factors: a systematic review and implementation recommendations. Osteoporos Int. 2016; 27:1281-1386.

Dra. Tayane Muniz Fighera
Médica Endocrinologista com área de atuação em Densitometria Óssea
CRM-RS 32.014 - RQE 27.144 e 28.021

Texto revisado pelo Departamento de Metabolismo Ósseo e Mineral em agosto de 2019.

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Tratamentos para osteoporose e procedimentos odontológicos - o que médicos e dentistas precisam saber?

Segundo a International Osteoporosis Foundation (IOF ou Fundação Internacional de Osteoporose, em português), a osteoporose afeta aproximadamente 200 milhões de mulheres no mundo, sendo 10 milhões só no Brasil. Estima-se que uma em cada 3 mulheres e um em cada 5 homens com mais de 50 anos sofrerá uma fratura por fragilidade óssea. Fraturas de quadril são as mais temidas, pois causam morte em até 20% dos casos nos primeiros 12 meses após o evento. Os que sobrevivem apresentam frequentemente dor crônica e redução de mobilidade. Além disso, a presença de uma fratura prévia aumenta em 86% o risco de uma nova fratura.

Osteonecrose de mandíbula
Imagem: Wikimedia Commons

O tratamento da osteoporose é baseado em medidas comportamentais (como atividade física regular, interrupção do tabagismo, redução do risco de quedas, avaliação das necessidades individuais de cálcio e vitamina D) e terapia farmacológica com eficácia comprovada na prevenção de fraturas. Entre as opções disponíveis, as drogas com ação antirreabsortiva estão entre as mais utilizadas: bisfosfonatos (alendronato, ibandronato, risedronato e ácido zoledrônico) e denosumabe. Estas drogas atuam inibindo as células responsáveis pela reabsorção óssea (chamadas osteoclastos). Após a menopausa, ou após a quinta década de vida em homens, há um aumento da reabsorção óssea em relação à formação, com consequente redução da massa óssea e aumento do risco de fraturas. Com o tratamento da osteoporose com medicações antirreabsortivas, há redução do remodelamento ósseo e da angiogênese (crescimento de novos vasos sanguíneos), fatores que podem contribuir para a ocorrência de um evento adverso raro, a osteonecrose de mandíbula (ONM).
A ONM é definida pela American Society of Bone and Mineral Reasearch como uma área de tecido ósseo exposto na região maxilofacial que não cicatriza após 8 semanas, em um indivíduo que foi exposto a uma droga antirreabsortiva e não recebeu radioterapia. Apresenta incidência muito baixa, inferior a 0,001% em indivíduos tratados para osteoporose. Outros fatores de risco são mais frequentes em pacientes com esta complicação: diabetes, tabagismo, uso de glicocorticoides, imunossupressão, doença periodontal prévia e má higiene oral. O uso de doses elevadas de bisfosfonatos (como ácido zoledrônico mensal em pacientes oncológicos) também está associado ao maior risco de ONM, com incidência entre 1 – 10%.
Em pacientes recebendo doses de bisfosfonatos ou denosumabe para tratamento da osteoporose, não há indicação de descontinuar a medicação para realização de procedimentos dentários invasivos. Apesar de alguns profissionais indicarem a suspensão do tratamento por um período (usualmente alguns meses) antes do procedimento, não existem dados que mostrem melhora dos desfechos dentários ou menor incidência de ONM com esta conduta. Também não há utilidade clínica em realizar dosagem de telopeptídeo C-terminal tipo 1 (CTX), um marcador de reabsorção óssea, para selecionar indivíduos com maior risco desta complicação, uma vez que este marcador estará suprimido em pacientes com boa adesão ao tratamento. 
Durante a terapia e seguimento do paciente com osteoporose, manter uma boa higiene oral é fundamental para prevenir o desenvolvimento da ONM. Os pacientes também devem ser orientados a realizar revisões periódicas da saúde bucal e procurar um profissional capacitado em caso de dor, desconforto ou mobilidade dentária. Em cada caso, o julgamento clínico deve guiar a decisão terapêutica levando em consideração as doses das drogas antirreabsortivas que estão sendo utilizadas, a presença de outros fatores de risco, bem como gravidade da condição dentária que está indicando a intervenção.  Recomenda-se que tratamentos odontológicos cirúrgicos sejam realizados, sempre que possível, antes de iniciar a terapia com drogas antirreabsortivas. Caso isso não seja possível, o médico deve orientar o paciente a comunicar seu dentista sobre o uso destes medicamentos e a decisão deve ser individualizada, priorizando a realização do procedimento com segurança sem comprometer o tratamento da osteoporose.

Referências:
1. https://www.iofbonehealth.org/facts-statistics
2. http://abrasso.org.br/
3. Anagnostis P, Paschou SA, Mintziori G, Ceausu I, Depypere H, Lambrinoudaki I, et al. Drug holidays from bisphosphonates and denosumab in postmenopausal osteoporosis: EMAS position statement. Maturitas. 2017, 101:23-30.
4. Kan M, Cheung AM, Khan AA. Drug-related adverse events of osteoporosis therapy. Endocrinol Metab Clin N Am 2017, 46: 181–192.
5. Khosla S, Bilezikian JP, Dempster DW, Lewiecki EM, Miller PD, Neer RM, et al. Benefits and Risks of Bisphosphonate Therapy for Osteoporosis. JCEM 2012, 97: 2272-2282.
6. Camacho PM, Petak SM, Binkley N, Clarke BL, Harris ST, Hurley DL, et al. American Association of Clinical Endocrinologists and American College of Endocrinology Clinical Practice Guidelines for the Diagnosis and Treatment of postmenopausal Osteoporosis — Endocr Pract 2016, 22: suppl 4.
7. Compston J, Cooper A, Cooper C, Gittoes N, Gregson C, Harvey N, et al. The National Osteoporosis Guideline Group (NOGG). UK clinical guideline for the prevention and treatment of osteoporosis. Arch Osteoporos 2017; 12:43.

Dra. Tayane Muniz Fighera
Médica Endocrinologista com área de atuação em Densitometria Óssea
CRM-RS 32.014 - RQE 27.144 e 28.021

Texto revisado pelo Departamento de Metabolismo Ósseo e Mineral em julho de 2019.


quinta-feira, 8 de agosto de 2019

“Estou com o colesterol elevado! Preciso tomar remédio?”

Quem trabalha na área da saúde já deve ter ouvido essa pergunta diversas vezes. Com a ampla disponibilidade dos exames laboratoriais, é muito comum pessoas realizarem o famoso “check up”, algumas vezes sem terem sido avaliadas antes por um médico. Quando recebem o resultado, percebem que um ou mais parâmetros do perfil lipídico estão acima do valor de referência, despertando a dúvida sobre a necessidade do tratamento. É importante salientar que essa resposta não é tão simples e que vai muito além de um limite de normalidade que o exame fornece. Antes de responder a essa pergunta, vale a pena uma breve revisão sobre o tema.
O termo dislipidemia se refere a um grupo de doenças onde ocorre uma alteração no nível dos lipídeos (gorduras) no sangue. São extremamente prevalentes, podendo acometer até 40% da população. O tipo mais comum, a hipercolesterolemia, tem íntima relação com a doença aterosclerótica (doença gerada pela deposição de placas de gordura nas artérias), que por sua vez pode culminar em um infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, dentre outras complicações. E o mais grave: é uma condição praticamente assintomática, ou seja, se não for buscada ativamente demorará décadas para ser descoberta. 
As dislipidemias são classificadas em 4 tipos principais (1), de acordo com sua apresentação laboratorial.

Imagem: Pixnio

1- Hipercolesterolemia isolada

A hipercolesterolemia isolada ocorre quando temos uma lipoproteína de baixa densidade (o LDL) elevada. Mas o que são as lipoproteínas? São estruturas que transportam os lipídeos pelo nosso sangue. O LDL é a estrutura mais rica em colesterol e quando em excesso pode cursar com aterosclerose (placas de gorduras nas artérias). Por esse motivo o LDL é também conhecido como o “mau colesterol”.

2- Hipertrigliceridemia isolada

Os triglicerídeos são a principal forma de armazenamento de energia do nosso corpo, presente principalmente no tecido adiposo. A relação de níveis elevados com doença aterosclerótica ainda não está totalmente esclarecida, mas com risco de pancreatite sim (valores acima de 500 mg/dL). 

3- Hiperlipidemia mista

Definida como a presença conjunta de hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia. Importante frisar que o jejum não é mais necessário para a dosagem do LDL visto que este não sofre alterações significativas após as refeições.

4- HDL baixo

A lipoproteína de alta densidade (HDL) é também conhecida como “colesterol bom” pois ele é responsável pelo chamado transporte reverso do colesterol. Quando o mesmo é captado na periferia e retorna ao fígado onde sofrerá uma espécie de “reciclagem”. Diversos estudos já demonstraram que pessoas com níveis elevados desta lipoproteína têm um risco menor de eventos cardiovasculares.

Classificação quanto à origem (1)

Outra forma de classificar as dislipidemias é de acordo com a origem do distúrbio. Desta forma dividimos como primárias, quando o problema tem uma origem genética ou secundárias quando está relacionada a estilo de vida inadequados, outras doenças ou uso de determinados remédios. As primeiras merecem um cuidado ainda maior pois em geral são mais graves e acontecem muitas vezes na infância, momento que em geral não pesquisamos esta condição rotineiramente.
Toda criança entre 2 e 8 anos deve ter seus lipídeos séricos dosados caso exista algum fator de risco (obesidade, pressão alta, diabetes, história familiar). Caso não haja, essa primeira avaliação deverá ser feita entre os 9 e 11 anos (2). Já nos adultos que não apresentam fatores de risco, recomenda-se a análise do perfil lipídico a partir dos 20 anos, ao se estimar o risco cardiovascular (3). O jejum na maioria das vezes não é mais necessário e medidas em “ponta de dedo” devem ser encorajadas.
A importância dessa abordagem é fazer o diagnóstico de forma precoce, para que o tratamento efetivo possa ser instituído o mais brevemente possível. Este é dividido em não farmacológico (mudanças do estilo de vida) e farmacológico (medicamentos). Atualmente, damos uma importância menor aos valores laboratoriais absolutos e valorizamos o conjunto de outras doenças que o paciente apresenta (diabetes, tabagismo, eventos cardiovasculares prévios etc.). Em outras palavras, um mesmo perfil lipídico pode levar a uma conduta conservadora, em um paciente de baixo risco, e a uma conduta mais “agressiva”, em um indivíduo com mais desses fatores. E esse tratamento é contínuo, visto que a dislipidemia, assim como o diabetes e a hipertensão arterial, é uma doença crônica. Não deixe de procurar seu médico, pois ele terá todo o conhecimento necessário para decidir se você deve ou não usar medicações. 

Referências:
1. Faludi AA, Izar MCO, Saraiva JFK, Chacra APM, Bianco HT, Afiune Neto A et al. Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose – 2017. Arq Bras Cardiol 2017; 109(2Supl.1):1-76.
2. Bamba, V. Update on Screening, Etiology, and Treatment of Dyslipidemia in Children. J Clin Endocrinol Metab. 2014;99(9): 3093-3102.
3. Grundy SM, Stone NJ, Bailey AL, et al. 2018 AHA/ACC/AACVPR/AAPA/ABC/ACPM/ADA/AGS/APhA/ASPC/NLA/PCNA guideline on the management of blood cholesterol: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines [published online November 10, 2018]. Circulation.

Dr. Ricardo Mendes Martins
Médico Endocrinologista
CRM-RJ 778.559 - RQE 15.753
Professor de Medicina da Unigranrio
Professor de Medicina da UFF 
Médico do Instituto Nacional de Cardiologia

Texto revisado pelo Departamento de Dislipidemia e Aterosclerose.

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Avaliação laboratorial do cortisol - o hormônio do estresse

Fato importante: o cortisol é um dos exames mais indevidamente solicitados e mal interpretados na prática médica. A proliferação de "pseudoespecialistas", infelizmente, é fenômeno mundial. Estes profissionais com formação deficiente têm por hábito solicitar listas intermináveis de exames sem indicação precisa, antes mesmo de terem atendido o paciente. Sem treinamento apropriado, é comum que não consigam interpretar, ou pior, que interpretem de maneira errada dosagens hormonais.
A seguir, elenquei alguns pontos importantes que os médicos endocrinologistas costumam observar ao pedir e interpretar dosagens de cortisol.

Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal.
Imagem: Flickr

1- O cortisol apresenta secreção episódica e seus níveis variam ao longo do dia. Em indivíduos normais, que dormem durante à noite, os níveis de cortisol no sangue são mais elevados nas primeiras horas do dia (entre 10 e 20 mcg/dL) e baixas à meia noite (menores que 5 mcg/dL). Chamamos isso de ritmo circadiano do cortisol. Para pesquisar excesso de cortisol, as dosagens noturnas são mais úteis. Para pesquisar deficiência, usam-se as dosagens ao acordar.

2- Existem diversos métodos laboratoriais de dosagem do cortisol. Os mais comuns são os radioimunométricos. Cada método tem suas vantagens e desvantagens. É importante que o médico endocrinologista  conheça as limitações das diferentes formas de dosar o cortisol para não interpretar um exame de forma equivocada.

3- No sangue, o cortisol é transportado por uma proteína chamada CBG. Logo, qualquer condição que aumente ou diminua a concentração de CBG pode também aumentar ou diminuir os níveis de cortisol. Gravidez, uso de pílula anticoncepcional, obesidade e elevações da glicose com deficiência de insulina elevam a CBG. Aumento dos níveis de insulina, hipertireoidismo, doença grave no fígado e perda de proteínas na urina (síndrome nefrótica) reduzem a CBG. Além disso, algumas pessoas já nascem com elevação ou redução da CBG por alterações genéticas.

4- Doenças como depressão grave, alcoolismo, síndrome dos ovários policísticos e diabetes podem causar elevações fisiológicas do cortisol. Chamamos este quadro de pseudoCushing.  Estresse físico intenso (cirurgia, dor), anorexia ou exercícios de intensidade elevada frequentes também podem elevar o cortisol.

5- Diversos medicamentos podem interferir na dosagem do cortisol. O uso de corticoides, seja tópico ou via oral, é a causa mais comum. Pode ocorrer tanto elevação quanto diminuição dos níveis dependendo principalmente do corticoide usado e do método de dosagem.

6- Pode-se avaliar os níveis de cortisol livre, isto é, não ligado à CBG de duas formas: através da dosagem na urina ou na saliva. Aqui uma ressalva importante: o ÚNICO hormônio com pontos de corte validados e clinicamente útil dosado na saliva é o cortisol. Maus profissionais costumam dosar mil e uma coisas na saliva. A utilidade destas dosagens é desconhecida. 

7- O bom médico NUNCA solicita dosagem de cortisol sem uma indicação precisa. Tanto o hipercortisolismo (síndrome de Cushing) quanto o hipocortisolismo (insuficiência adrenal) são doenças pouco frequentes que apresentam achados sugestivos do diagnóstico. Na maioria dos casos, além das dosagem basais - nos horários e através dos métodos corretos - também é preciso lançar mão de testes dinâmicos que estimulam ou suprimem a produção do cortisol. Estes testes são complexos e também exigem cuidado na realização e interpretação.

Fonte:
1- Nieman L. Pitfalls in the diagnosis and differential diagnosis of Cushing's syndrome. Clin Endocrinol (Oxf). 2014 Mar;80(3):333-4.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CRM-RS 30.576 - RQE 22.991

Texto revisado pelo Departamento de Adrenal e Hipertensão.