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quinta-feira, 8 de agosto de 2019

“Estou com o colesterol elevado! Preciso tomar remédio?”

Quem trabalha na área da saúde já deve ter ouvido essa pergunta diversas vezes. Com a ampla disponibilidade dos exames laboratoriais, é muito comum pessoas realizarem o famoso “check up”, algumas vezes sem terem sido avaliadas antes por um médico. Quando recebem o resultado, percebem que um ou mais parâmetros do perfil lipídico estão acima do valor de referência, despertando a dúvida sobre a necessidade do tratamento. É importante salientar que essa resposta não é tão simples e que vai muito além de um limite de normalidade que o exame fornece. Antes de responder a essa pergunta, vale a pena uma breve revisão sobre o tema.
O termo dislipidemia se refere a um grupo de doenças onde ocorre uma alteração no nível dos lipídeos (gorduras) no sangue. São extremamente prevalentes, podendo acometer até 40% da população. O tipo mais comum, a hipercolesterolemia, tem íntima relação com a doença aterosclerótica (doença gerada pela deposição de placas de gordura nas artérias), que por sua vez pode culminar em um infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, dentre outras complicações. E o mais grave: é uma condição praticamente assintomática, ou seja, se não for buscada ativamente demorará décadas para ser descoberta. 
As dislipidemias são classificadas em 4 tipos principais (1), de acordo com sua apresentação laboratorial.

Imagem: Pixnio

1- Hipercolesterolemia isolada

A hipercolesterolemia isolada ocorre quando temos uma lipoproteína de baixa densidade (o LDL) elevada. Mas o que são as lipoproteínas? São estruturas que transportam os lipídeos pelo nosso sangue. O LDL é a estrutura mais rica em colesterol e quando em excesso pode cursar com aterosclerose (placas de gorduras nas artérias). Por esse motivo o LDL é também conhecido como o “mau colesterol”.

2- Hipertrigliceridemia isolada

Os triglicerídeos são a principal forma de armazenamento de energia do nosso corpo, presente principalmente no tecido adiposo. A relação de níveis elevados com doença aterosclerótica ainda não está totalmente esclarecida, mas com risco de pancreatite sim (valores acima de 500 mg/dL). 

3- Hiperlipidemia mista

Definida como a presença conjunta de hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia. Importante frisar que o jejum não é mais necessário para a dosagem do LDL visto que este não sofre alterações significativas após as refeições.

4- HDL baixo

A lipoproteína de alta densidade (HDL) é também conhecida como “colesterol bom” pois ele é responsável pelo chamado transporte reverso do colesterol. Quando o mesmo é captado na periferia e retorna ao fígado onde sofrerá uma espécie de “reciclagem”. Diversos estudos já demonstraram que pessoas com níveis elevados desta lipoproteína têm um risco menor de eventos cardiovasculares.

Classificação quanto à origem (1)

Outra forma de classificar as dislipidemias é de acordo com a origem do distúrbio. Desta forma dividimos como primárias, quando o problema tem uma origem genética ou secundárias quando está relacionada a estilo de vida inadequados, outras doenças ou uso de determinados remédios. As primeiras merecem um cuidado ainda maior pois em geral são mais graves e acontecem muitas vezes na infância, momento que em geral não pesquisamos esta condição rotineiramente.
Toda criança entre 2 e 8 anos deve ter seus lipídeos séricos dosados caso exista algum fator de risco (obesidade, pressão alta, diabetes, história familiar). Caso não haja, essa primeira avaliação deverá ser feita entre os 9 e 11 anos (2). Já nos adultos que não apresentam fatores de risco, recomenda-se a análise do perfil lipídico a partir dos 20 anos, ao se estimar o risco cardiovascular (3). O jejum na maioria das vezes não é mais necessário e medidas em “ponta de dedo” devem ser encorajadas.
A importância dessa abordagem é fazer o diagnóstico de forma precoce, para que o tratamento efetivo possa ser instituído o mais brevemente possível. Este é dividido em não farmacológico (mudanças do estilo de vida) e farmacológico (medicamentos). Atualmente, damos uma importância menor aos valores laboratoriais absolutos e valorizamos o conjunto de outras doenças que o paciente apresenta (diabetes, tabagismo, eventos cardiovasculares prévios etc.). Em outras palavras, um mesmo perfil lipídico pode levar a uma conduta conservadora, em um paciente de baixo risco, e a uma conduta mais “agressiva”, em um indivíduo com mais desses fatores. E esse tratamento é contínuo, visto que a dislipidemia, assim como o diabetes e a hipertensão arterial, é uma doença crônica. Não deixe de procurar seu médico, pois ele terá todo o conhecimento necessário para decidir se você deve ou não usar medicações. 

Referências:
1. Faludi AA, Izar MCO, Saraiva JFK, Chacra APM, Bianco HT, Afiune Neto A et al. Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose – 2017. Arq Bras Cardiol 2017; 109(2Supl.1):1-76.
2. Bamba, V. Update on Screening, Etiology, and Treatment of Dyslipidemia in Children. J Clin Endocrinol Metab. 2014;99(9): 3093-3102.
3. Grundy SM, Stone NJ, Bailey AL, et al. 2018 AHA/ACC/AACVPR/AAPA/ABC/ACPM/ADA/AGS/APhA/ASPC/NLA/PCNA guideline on the management of blood cholesterol: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines [published online November 10, 2018]. Circulation.

Dr. Ricardo Mendes Martins
Médico Endocrinologista
CRM-RJ 778.559 - RQE 15.753
Professor de Medicina da Unigranrio
Professor de Medicina da UFF 
Médico do Instituto Nacional de Cardiologia

Texto revisado pelo Departamento de Dislipidemia e Aterosclerose.

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