Páginas

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Fadiga adrenal: cuidado para não receber o diagnóstico de uma doença falsa

Entre os sintomas mais comuns nos dias de hoje estão a fadiga e o estresse. Quando percebe-se que os níveis de energia estão baixos, as pessoas buscam por respostas e soluções. Algumas procuram por uma “bala mágica” e acreditam que o complexo vitamínico correto será capaz de restabelecer o vigor. Outras querem saber se existem medicamentos ou estimulantes para tratar o quadro. A verdade é que a avaliação de sintomas vagos pode ser um verdadeiro desafio. Muitos de nós temos vidas movimentadas, que por vezes não nos permitem praticar exercícios ou mesmo dormir de forma adequada. A alimentação também acaba prejudicada pela falta de tempo e pela conveniência. A fadiga e o estresse podem fazer parte da vida, mas também podem ser sintomas de doenças mais graves. É justamente o fato de serem sintomas inespecíficos que tornam sua avaliação e tratamento, algumas vezes, não tão fáceis.
Para alguns defensores de “práticas alternativas”, esses sintomas vagos e inespecíficos foram agrupados em uma “doença inventada”, a “fadiga adrenal”. Contudo, não há até o momento qualquer evidência de que a “fadiga adrenal” exista como patologia. A Endocrine Society, uma das mais respeitadas organizações médicas do mundo, posicionou-se sobre o assunto recentemente:

“A fadiga adrenal não é uma condição médica real. Não existem fatos científicos para suportar a teoria que estresse físico, mental ou emocional esgotem as glândulas adrenais e causem sintomas.”

Imagem: TheraSpecs
Palavras inequívocas! Mas a medicina baseada em evidências é ainda mais categórica em refutar uma doença falsa...
As adrenais são um par de glândulas localizadas uma sobre cada rim e produzem diversos hormônios, entre eles os hormônios do estresse adrenalina, noradrenalina e cortisol. Será que estas glândulas podem cansar se estimuladas em excesso? Mesmo na ausência de qualquer fato científico, o naturopata James Wilson cunhou o termo “fadiga adrenal” em um livro publicado em 1998. Dê uma olhada no questionário de Wilson abaixo. Você apresenta algum destes sintomas?
1- Cansado sem razão aparente.
2- Dificuldade em acordar de manhã.
3- Necessidade de café, refrigerantes tipo cola, doces ou salgadinhos para ter energia.
4- Sentindo-se para baixo ou estressado.
5- Fissurado em doces ou salgadinhos.
6- Lutando para manter as tarefas de rotina.
7- Não consegue se desenvencilhar do estresse e da doença.
8- Não se diverte.
9- Não tem vontade em manter relações sexuais.
Segundo Wilson, se você convive com qualquer um desses sintomas, você tem “fadiga adrenal”, a “doença falsa” mais prevalente no mundo, já que dificilmente alguém já não apresentou algum desses sintomas.
Porém, este questionário jamais foi validado, não existem provas nem literatura pertinente que possam embasá-lo. Uma busca detalhada na base de estudos médicos Pubmed com os termos “adrenal” AND “fatigue” retorna apenas um resultado relevante, que é uma revisão que não cita as fontes revisadas!
Doenças falsas são agrupamentos de diferentes sintomas dentro de condições sem nenhum embasamento científico. É da natureza do ser humano querer entender os padrões das doenças para propor tratamentos. Porém, definir um simples grupo de sintomas é o primeiro erro nesse processo de compreensão. Isto porque os sintomas precisam ser organizados de uma maneira racional para fazerem sentido dentro de uma síndrome clínica. No caso da “fadiga adrenal”, não existe esta explicação racional da progressão e gravidade dos diferentes sintomas, apenas um agrupamento simples. O segundo grande erro é usar uma lista desorganizada de sintomas para identificar pacientes com a doença. O terceiro erro é usar testes laboratoriais em sangue ou saliva, com suas diversas complicações metodológicas, para diagnosticar uma patologia que não é ao menos descrita de forma apropriada. Por fim, o pior de todos os erros é propor tratamento, seja ele qual for, para algo pobremente definido. Como saber se algo tão “amorfo” está melhorando ou piorando com um tratamento? Como saber se o próprio tratamento não está fazendo mal?
Enquanto a “fadiga adrenal” não existe, os sintomas que muitas pessoas apresentam são sim reais. Estes mesmos sintomas podem ser causados por doenças verdadeiras como apneia do sono, hipotireoidismo, diabetes, depressão, anemia, insuficiência adrenal, neoplasias, entre outras. Ao aceitar o diagnóstico de uma “doença falsa” perde-se tempo em realizar o diagnóstico correto de algo que pode ser potencialmente grave. Por fim, pode ser frustrante apresentar sintomas e após uma avaliação médica pormenorizada não se identificar uma causa. Mas esta situação é melhor do que ter a distração de tratar uma condição fictícia.

Texto adaptado de Sciece-Based Medicine.

Referências: 
2 - Adrenal fatigue does not exist: a systematic Review - Cadegiani FA, Kater CE – BMC Endocrine Disorders (2016) 16:48.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista do Hospital Universitário de Santa Maria
Doutor em Ciências Médicas - Endocrinologia - UFRGS
CRM-RS 30.576 - RQE 22.991

Texto revisado pelo Departamento de Adrenal e Hipertensão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário