Desde a sua descoberta em 1921, a insulina tem sido uma das mais importantes opções para o controle do diabetes. Ela é o tratamento de escolha para todos os pacientes com o diabetes tipo 1 (causado pela destruição imunológica das células produtoras de insulina; é a forma mais comum de diabetes na infância e acomete aproximadamente uma de cada dez pessoas com diabetes) e em muitos casos de pacientes com o diabetes tipo 2 (forma mais comum, que surge geralmente em adultos, especialmente naqueles com obesidade; nesse caso, o uso de insulina pode ser necessário ou não). Porém, um dos maiores inconvenientes relacionados à insulina é que, até recentemente, a única via disponível para a sua utilização era a injetável, gerando preconceito e rejeição ao seu uso por muitos pacientes. Felizmente, uma novidade promete transformar essa realidade: a insulina tecnosfera, uma forma de insulina inalável (1).
Batizada de Afrezza®, a insulina inalável será comercializada em pó, em cartuchos com três tipos de dosagem: 4, 8 ou 12 unidades (2,3). Para utilizá-la, o paciente deverá encaixar o cartucho em um inalador e aspirar o pó (vide foto). Assim, a insulina chegará aos pulmões e será absorvida pela corrente sanguínea, sendo distribuída para todo o corpo. Embora já estivesse liberada para uso nos Estados Unidos desde 2014 (4), Afrezza® só foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso no Brasil no dia 30 de maio de 2019. O laboratório Biomm será o responsável pela fabricação e distribuição do produto em nosso país (3).
Dentre as vantagens da insulina inalável, merecem destaque o maior conforto (redução do número de injeções) e a sua praticidade (a administração é fácil e não há necessidade de refrigeração) (1,3). Ela também parece promover menos ganho de peso (1), ter início de ação mais rápido e duração de ação mais curta do que as formas convencionais injetáveis, causando assim menos hipoglicemias (níveis baixos de açúcar no sangue) (1,2).
Porém, nem todas as insulinas injetáveis poderão ser substituídas pela insulina inalável. Afrezza® irá compor o grupo das insulinas prandiais, ou seja, insulinas de ação rápida utilizadas antes das refeições com os objetivos de conter a elevação da glicose no sangue que ocorre após a ingestão dos alimentos e também de corrigir eventuais glicemias elevadas (insulina humana regular e os análogos de insulina rápida - asparte, glulisina e lispro). As chamadas insulinas basais, de ação intermediária (insulina humana NPH, aplicada entre uma a três vezes ao dia); e as insulinas análogas de ação prolongada (glargina, glargina 300, detemir e degludeca), aplicadas em doses fixas uma ou eventualmente duas vezes ao dia, não poderão ser substituídas por essa versão inalável. As principais insulinas disponíveis no mercado brasileiro que, em tese, poderão ou não ser substituídas por Afrezza® encontram-se listadas no quadro abaixo.
Cabe ressaltar que a insulina inalável também apresenta limitações (1,3). Ela está associada ao surgimento de tosse (que parece ser de leve intensidade, transitória e reversível com a suspensão do tratamento) (3) e é contraindicada em pacientes tabagistas e/ou com doenças pulmonares crônicas, como asma, bronquites, enfisema pulmonar. Os pacientes precisam realizar testes de função pulmonar (espirometria) antes de iniciar o uso e anualmente (1). Afrezza® também está contraindicada para pacientes com idade inferior a 18 anos e em gestantes com diabetes, até que existam estudos de eficácia e segurança específicos para essa população (3). A baixa variedade de dosagens disponíveis também representa uma limitação para o uso da Afrezza®, por impossibilitar a flexibilização do tratamento.
Assim, Afrezza®, a insulina inalável tecnosfera, representa um avanço importante para o tratamento do diabetes e atende aos anseios dos pacientes e de seus familiares, que há tempos sonham com a possibilidade de se obter o controle do diabetes com menos injeções.
Referências:
1- Setji TL et al. Technosphere insulin: inhaled prandial insulin. Expert Opin Biol Ther. 2016;16(1):111-7.
2- Leahy JL. Technosphere inhaled insulin: is faster better? Diabetes Care 2015 Dec;38(12):2282-4.
3- Estadão Conteúdo. Anvisa aprova primeira insulina inalável do Brasil. Revista EXAME. 03 jun 2019; Caderno Ciência. Disponível em: https://exame.abril.com.br/ciencia/anvisa-aprova-primeira-insulina-inalavel-do-brasil/
4- Sociedade Brasileira de Diabetes. Anvisa aprova insulina inalável. 04 jun 2019; Notícias SBD. Disponível em: https://www.diabetes.org.br/publico/noticias-sbd/1853-anvisa-aprova-insulina-inalavel
Dr. Wellington Santana da Silva Júnior
Endocrinologista e Metabologista
Professor da Disciplina de Endocrinologia da UFMA
Doutor em Ciências pela UERJ
Presidente da CVNL da SBEM - Biênio 2019/2020
Membro do DDEE da SBD - Biênio 2018/2019
CRM-MA 5188 - RQE 2739
Texto revisado pelo Departamento de Diabetes.