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segunda-feira, 24 de junho de 2019

Insulina inalável tecnosfera: novidade para o tratamento do diabetes

Desde a sua descoberta em 1921, a insulina tem sido uma das mais importantes opções para o controle do diabetes. Ela é o tratamento de escolha para todos os pacientes com o diabetes tipo 1 (causado pela destruição imunológica das células produtoras de insulina; é a forma mais comum de diabetes na infância e acomete aproximadamente uma de cada dez pessoas com diabetes) e em muitos casos de pacientes com o diabetes tipo 2 (forma mais comum, que surge geralmente em adultos, especialmente naqueles com obesidade; nesse caso, o uso de insulina pode ser necessário ou não). Porém, um dos maiores inconvenientes relacionados à insulina é que, até recentemente, a única via disponível para a sua utilização era a injetável, gerando preconceito e rejeição ao seu uso por muitos pacientes. Felizmente, uma novidade promete transformar essa realidade: a insulina tecnosfera, uma forma de insulina inalável (1).
Batizada de Afrezza®, a insulina inalável será comercializada em pó, em cartuchos com três tipos de dosagem: 4, 8 ou 12 unidades (2,3). Para utilizá-la, o paciente deverá encaixar o cartucho em um inalador e aspirar o pó (vide foto). Assim, a insulina chegará aos pulmões e será absorvida pela corrente sanguínea, sendo distribuída para todo o corpo. Embora já estivesse liberada para uso nos Estados Unidos desde 2014 (4), Afrezza® só foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso no Brasil no dia 30 de maio de 2019. O laboratório Biomm será o responsável pela fabricação e distribuição do produto em nosso país (3).

Imagem: Afrezza / Reprodução / CP

Dentre as vantagens da insulina inalável, merecem destaque o maior conforto (redução do número de injeções) e a sua praticidade (a administração é fácil e não há necessidade de refrigeração) (1,3). Ela também parece promover menos ganho de peso (1), ter início de ação mais rápido e duração de ação mais curta do que as formas convencionais injetáveis, causando assim menos hipoglicemias (níveis baixos de açúcar no sangue) (1,2). 
Porém, nem todas as insulinas injetáveis poderão ser substituídas pela insulina inalável.  Afrezza® irá compor o grupo das insulinas prandiais, ou seja, insulinas de ação rápida utilizadas antes das refeições com os objetivos de conter a elevação da glicose no sangue que ocorre após a ingestão dos alimentos e também de corrigir eventuais glicemias elevadas (insulina humana regular e os análogos de insulina rápida - asparte, glulisina e lispro). As chamadas insulinas basais, de ação intermediária (insulina humana NPH, aplicada entre uma a três vezes ao dia); e as insulinas análogas de ação prolongada (glargina, glargina 300, detemir e degludeca), aplicadas em doses fixas uma ou eventualmente duas vezes ao dia, não poderão ser substituídas por essa versão inalável. As principais insulinas disponíveis no mercado brasileiro que, em tese, poderão ou não ser substituídas por Afrezza® encontram-se listadas no quadro abaixo.


Cabe ressaltar que a insulina inalável também apresenta limitações (1,3). Ela está associada ao surgimento de tosse (que parece ser de leve intensidade, transitória e reversível com a suspensão do tratamento) (3) e é contraindicada em pacientes tabagistas e/ou com doenças pulmonares crônicas, como asma, bronquites, enfisema pulmonar. Os pacientes precisam realizar testes de função pulmonar (espirometria) antes de iniciar o uso e anualmente (1). Afrezza® também está contraindicada para pacientes com idade inferior a 18 anos e em gestantes com diabetes, até que existam estudos de eficácia e segurança específicos para essa população (3). A baixa variedade de dosagens disponíveis também representa uma limitação para o uso da Afrezza®, por impossibilitar a flexibilização do tratamento.
Assim, Afrezza®, a insulina inalável tecnosfera, representa um avanço importante para o tratamento do diabetes e atende aos anseios dos pacientes e de seus familiares, que há tempos sonham com a possibilidade de se obter o controle do diabetes com menos injeções.

Referências:
1- Setji TL et al. Technosphere insulin: inhaled prandial insulin. Expert Opin Biol Ther. 2016;16(1):111-7.
2- Leahy JL. Technosphere inhaled insulin: is faster better? Diabetes Care 2015 Dec;38(12):2282-4.
3- Estadão Conteúdo. Anvisa aprova primeira insulina inalável do Brasil. Revista EXAME. 03 jun 2019; Caderno Ciência. Disponível em: https://exame.abril.com.br/ciencia/anvisa-aprova-primeira-insulina-inalavel-do-brasil/
4- Sociedade Brasileira de Diabetes. Anvisa aprova insulina inalável. 04 jun 2019; Notícias SBD. Disponível em: https://www.diabetes.org.br/publico/noticias-sbd/1853-anvisa-aprova-insulina-inalavel

Dr. Wellington Santana da Silva Júnior
Endocrinologista e Metabologista
Professor da Disciplina de Endocrinologia da UFMA
Doutor em Ciências pela UERJ 
Presidente da CVNL da SBEM - Biênio 2019/2020
Membro do DDEE da SBD - Biênio 2018/2019
CRM-MA 5188 - RQE 2739

Texto revisado pelo Departamento de Diabetes.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

As novidades do Congresso Americano de Diabetes (American Diabetes Association Meeting)

Foi realizado no início de junho de 2019, na cidade de San Francisco, o Meeting da American Diabetes Association [ADA] (algo como o Congresso Americano de Diabetes). O Congresso é gigantesco e é impossível resumir todas as inovações e estudos apresentados no evento. Deixo, abaixo, alguns pontos que pude assistir e considerei importantes:

Imagem: Flickr

1) A iniciativa da Medicina de precisão no tratamento do diabetes mellitus tipo 2

O termo Medicina de precisão vem ganhando cada vez mais força dentro da Endocrinologia e Metabologia. E a ADA não poderia ficar atrás desta importante discussão. Foi lançada a chamada “Precision Medicine in Diabetes Initiative”. Para os que não conhecem este conceito (que poderá ser motivo de post neste blog brevemente), ele envolve incluir informações sobre biomarcadores, análise genética, farmacogenômica (entre outras) para poder aprimorar o tratamento de pacientes com diabetes em todo o mundo.


2) Suplementação de vitamina D e prevenção do diabetes

Existem hoje diversas fontes não científicas que preconizam o uso de altas doses de vitamina D para inúmeros benefícios além do metabolismo ósseo. Muitos destes “benefícios” não são reais e, na verdade, são baseados em puras especulações e “pseudociência”. No Congresso, foram apresentados os resultados do estudo D2d. Neste estudo, os autores demonstraram que a utilização de 4000 UI de vitamina D em pacientes com pré-diabetes NÃO reduziu o risco de diabetes.  
O artigo completo foi publicado no New England Journal of Medicine e pode ser acessado em www.nejm.org.


3) As diferentes dietas e seu papel no tratamento do diabetes mellitus

É muito interessante ver como os congressos vêm trazendo cada vez mais discussões sobre o papel das diferentes dietas no tratamento dos pacientes com diabetes tipo 1 e tipo 2. Neste congresso, tivemos uma interessante discussão sobre as diferentes formas de se realizar as chamadas dietas low carb (dietas com baixo teor de carboidratos) e seus efeitos nos pacientes com diabetes. Diversos artigos foram apresentados (por grandes especialistas no tema) e a conclusão final reflete o que está publicado no Position Statment da ADA: “A utilização das chamadas dietas low carb PARECE resultar em melhora da glicemia e potencial para reduzir a utilização de medicamentos”. Fica aqui uma importante mensagem: estas dietas parecem ser uma opção para alguns pacientes, desde que com o acompanhamento adequado tanto do nutricionista como do endocrinologista.
Para conhecer mais sobre as recomendações da ADA sobre as diferentes abordagens nutricionais, acesse o site:


4) As doenças cardiovasculares e o diabetes mellitus

Foram inúmeras as mesas e conferências sobre a associação entre o diabetes mellitus tipo 2 e as doenças cardiovasculares. É impossível resumir tudo aqui. Durante o Congresso, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) organizou, junto a outras Sociedade Médicas, 02 webmeetings sobre este tema. Estes webmeetings estão na página da SBEM e podem ser acessados na Universidade Online por qualquer associado.

Este é apenas um pequeno resumo deste importante Congresso. 

Dr. Rodrigo O. Moreira
Presidente da SBEM Biênio 2019/2020
CRM-RJ 690.112 - RQE 24.343

terça-feira, 11 de junho de 2019

Endocrinologia, uma especialidade de doenças prevalentes

Todos sabem que o cardiologista cuida do coração, que o ginecologista cuida da saúde das mulheres e que o pediatra trata de crianças. No entanto, apesar de ser uma especialidade em franca ascensão, alguém volta e meia sempre pergunta: “O que faz o endocrinologista?”.
Endocrinologista é o médico especialista nos transtornos das glândulas endócrinas. Diferentemente das glândulas exócrinas, que secretam substâncias nas cavidades internas ou para o exterior do corpo, as glândulas endócrinas são responsáveis por secretar substâncias na corrente sanguínea. Essas substâncias são chamadas de hormônios.

Imagem: Wikimedia Commons

Os hormônios são responsáveis por uma série de funções fundamentais para o nosso organismo. Entre estas funções estão a regulação do metabolismo, da reprodução, do crescimento e do desenvolvimento.
Distúrbios da secreção ou da ação dos hormônios podem levar a doenças. Entre elas, as mais comumente tratadas pelo endocrinologista são:
- obesidade;
- alterações do colesterol e triglicerídeos;
- diabetes mellitus;
- doenças da tireoide;
- distúrbios da puberdade e do crescimento;
- alterações menstruais e excesso de pelos em mulheres;
- osteoporose e outras doenças do metabolismo do cálcio;
- doenças das glândulas hipófise e adrenais;
- deficiência de testosterona em homens.
Os hábitos de vida modernos, caracterizados por alimentação inapropriada e sedentarismo, assim como o aumento da expectativa de vida, são os responsáveis pelos níveis epidêmicos de algumas destas doenças. Por exemplo, de cada 100 brasileiros, estima-se que em torno de 40 estejam acima do peso, 10 estejam obesos e 12 estejam diabéticos. Já o hipotireoidismo (diminuição da produção de hormônios pela glândula tireoide) pode acometer cerca de 10 em cada 100 pessoas.
Uma vez que o médico endocrinologista está sendo cada vez mais requisitado, é importante conhecer a abrangência da Endocrinologia como especialidade. Todos precisam saber quando é necessário procurar por este profissional. Esse conhecimento garante tratamento qualificado.

Referência:
1- https://www.endocrino.org.br/areas-da-endocrinologia/

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista do Hospital Universitário de Santa Maria
Doutor em Ciências Médicas - Endocrinologia - UFRGS
CRM-RS 30.576 - RQE 22.991

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Doze dicas para identificar charlatanismo

Nas mais diversas áreas, existem pessoas mal intencionadas e aproveitadores. Quando envolvemos ciência e, especialmente saúde, pode ser muito difícil identificar se uma informação, tratamento ou profissional são de fato éticos e estão embasados em evidências sólidas. Chamo de evidências sólidas resultados de pesquisas científicas com alto rigor metodológico, isto é, avaliações realmente justas e bem feitas de uma determinada intervenção. Abaixo, alguns indícios que sugerem que você está sendo enganado...

Imagem: Wikimedia Commons

1- Retórica: o processo de tomada de decisão compartilhado entre médico e paciente é uma das prerrogativas da Medicina atual. Para que uma pessoa possa optar entre este ou aquele procedimento é importante que seja informada de maneira clara e compreensível. Linguagem excessivamente técnica muitas vezes é usada como artifício para induzir o paciente a escolhas menos corretas, já que este é levado a acreditar que o profissional de saúde detém conhecimento de ponta, quando não é verdade.

2- Pseudotítulos: no Brasil, médicos se tornam especialistas após realizarem estágio supervisionado em programas de residência médica ou através de provas de título rigorosas ministradas por sociedades médicas reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina. Não raro, maus profissionais apresentam "pseudotítulos", isto é, titulação conferida por "sociedades" não reconhecidas, muitas vezes criadas por eles próprios.

3- Glamourização: ostentação de clínicas luxuosas frequentadas por celebridades, consultas e tratamentos a preços exorbitantes, exclusividade, servem para passar uma imagem de "sucesso" ao público geral. É uma estratégia há muito usada por marcas de luxo para agregar valor e criar um certo desejo no consumidor (no caso, no paciente).

4- Falta de rigor científico: o método científico é rigoroso e hierarquiza os estudos de acordo com sua qualidade metodológica e força de evidência. Isto quer dizer que a conclusão de um estudo feito numa cultura de células não tem o mesmo peso que a conclusão de um estudo realizado em grande número de pessoas. O mesmo serve para estudos metodologicamente bem feitos e mal feitos. É comum que estudos ruins e de baixa qualidade sejam usados para justificar as opiniões pessoais do mau profissional. Assim como estudos robustos e bem desenhados são deixados de lado, se assim convier. É uma leitura viciada da literatura médica.

5- Excessos de exames e tratamentos: aprendemos desde cedo que um exame só deve ser solicitado quando for capaz de beneficiar o paciente de alguma forma, seja prevenindo, identificando ou monitorando o tratamento de uma doença. O excesso de exames disfarça a falta de perícia clínica. Passa a falsa impressão de que se está sendo bem avaliado. Exames não devem ser solicitados sem uma indicação precisa sob a pena de levarem a mais exames e a mais tratamentos desnecessários ou, inclusive, deletérios.

6- Cointervenções: são frequentes as prescrições com extensas fórmulas manipuladas, associadas a dietas restritivas e outras mudanças na rotina para pacientes saudáveis ou pouco doentes. Grande parte do que consta na receita serve para passar a falsa impressão de exclusividade do tratamento que, diversas vezes, é muito parecido ao convencional, com alguns floreios, além de disfarçar o uso de substâncias ilícitas ou de indicação controversa. "Esta receita é tão exclusiva que precisa ser manipulada de acordo com minhas necessidades biológicas". Será? "Esse HCG está me ajudando a emagrecer". Nananão.

7- Ritualização: duas pílulas de açúcar, funcionam melhor do que uma. Uma injeção de água destilada, funciona melhor que 2 pílulas de açúcar. Uma infusão de soro colorido por vitaminas, funciona melhor que a injeção de água. Quanto mais complexo e ritualístico for o tratamento, mais forte é o sugestionamento e o efeito placebo. Alguns tratamentos têm a complexidade de verdadeiros rituais esotéricos.

8- Promessas: corpo perfeito, desintoxicação, juventude, vigor físico, antes versus depois, cura de doenças crônicas são promessas frequentes.

9- Gurus: o conhecimento científico é de livre disponibilidade. Qualquer profissional de saúde bem intencionado consegue, com boa vontade, ter acesso, interpretar a literatura científica e citar suas referências. O mau profissional muitas vezes costuma citar outro charlatão de maior destaque. "Eu faço, porque o Dr. Fulano, super famoso, faz". Muitos destes "gurus" ministram cursos e ganham a vida vendendo informações distorcidas para os maus profissionais.

10- Polarização: é frequente a polarização entre "produtos naturebas" versus "indústria farmacêutica", "Medicina moderna e inovadora" versus "Medicina tradicional e retrógrada", "hormônio bioidêntico que previne" versus "remédio que promove a doença", "eu que quero ajudar meus pacientes" versus "todos os outros médicos que têm inveja do meu sucesso". O discurso do "bem contra o mal" visa criar uma aura de pureza e honestidade em quem usa a Medicina para ludibriar e lucrar.

11- Incriticabilidade: a crítica faz parte da ciência. Como evoluir se algo é inquestionável? O mau profissional gosta de criticar a "Medicina tradicional" com discurso filosófico e fracamente embasado, como vimos anteriormente. Contudo, se torna extremamente agressivo quando se vê encurralado e lhe faltam argumentos para defender o indefensável.

12- Intangibilidade: é frequente que tais profissionais sofram com processos éticos ou mesmo judiciais. Contudo, se dizem injustiçados e perseguidos. Discurso infelizmente frequente no Brasil dos dias atuais...

Sugestão de leitura:
Ciência Picareta - Ben Goldacre - Ed. Civilização Brasileira

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista do Hospital Universitário de Santa Maria
Doutor em Ciências Médicas - Endocrinologia - UFRGS
CRM-RS 30.576 - RQE 22.991